O ano de 2018: relatório musical do Bonifrate
Dois mil e dezoito, rugas, queda de cabelo, falta de ar, inferno astral, pesadelos políticos. Que fazer? viver um dia de cada vez, rastrear espíritos, caçar energia, apoiar, proteger, escutar camaradas, cultivar memórias, em si e em outrem, criar sons, rabiscar versos, sonhar com orquestras, andar de bicicleta.
Sejamos objetivos, falemos de música e de encontros.
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No começo do ano, finalmente chegaram as cópias do disco Um futuro inteiro, de 2011, relançado em vinil 12″ pela Dom Pedro Discos, de Brasília. O som está incrível na bolacha, e a arte foi refeita genialmente em gravura pela Dani Hasse. Pra comprar, é só encomendar pelo e-mail calundu91@gmail.com.
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Ainda no início do ano fui convidado pelos caras do Bike pra gravar uns vocais em “Ingá”, de seu ótimo terceiro disco Their Shamanic Majesties Third Request, que saiu em março.
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Como homenagem aos saudoso Mark E. Smith, o selo carioca e agora londrino Midsummer Madness, primeira casa dos Supercordas e de tantas bandas maneiras, lançou a breve coletânea Perverted By Homage: A Tribute To The Fall. Eu participei com essa releitura folkeira de “Psykick Dancehall”, da qual fiquei bastante orgulhoso pra falar a verdade. Achei que uma versão mais balada dessa canção ressaltaria a beleza de versos como esses: “When I am dead and gone, my vibrations will live on, in vibes on vinyl through the years, and people will dance to my waves”.
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Em julho, mês do meu aniversário, sofri aquilo que convencionei chamar “inferno astral elétrico”, e diversos equipamentos meus foram sucessivamente quebrando e tendo circuitos queimados. No fim, sem computador, me sobrou um gravador de fita de 4 canais, onde comecei a gravar e escrever o que viria a ser “Alfa Crucis”. Também foi quando voltei a me apresentar ao vivo, o que eu não fazia desde o último show dos Supercordas no festival Se Rasgum, em Belém, no final de 2016.
O modesto retorno se concentrou em Paraty, onde eu moro, e com formação solo: violão, teclado Casio, efeitos diversos, percussões, tudo passando por um looper JamMan, camadas sendo acrescentadas ao vivo.
Fui convidado na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) pra integrar a programação especial da Biblioteca Maria Angélica Ribeiro, do Colégio Estadual CEMBRA, recentemente reformada e rebatizada no contexto de um processo de mobilização e de luta que passou pelas ocupações de 2016 e pela conquista do direito dos estudantes de eleger seus diretores. Uma chapa de professores grevistas e mobilizados foi eleita, e a escola passou por transformações muito significativas, inclusive no seu espaço físico, e também por muita perseguição política.
A nova biblioteca foi batizada com o nome da primeira dramaturga mulher – feminista, abolicionista, nascida em Paraty – a ter uma peça encenada em teatro no Brasil, em 1859. A memória de Maria Angélica Ribeiro foi recentemente resgatada na cidade pela ação do coletivo feminista que leva seu nome, em especial da minha companheira Thalita Silva, e pela releitura de seus textos realizada pelos grupos de teatro locais Andantes Errantes e Olho Negro.
Fiz uma apresentação focada no EP de 2017, Lady Remédios, acompanhada de projeções da amiga Antonia Regina Moura – pesquisadora de culturas tradicionais e de música, DJ Telurika, fotógrafa, etc -, que passou a integrar a maioria das gigs desse ano.
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Em agosto vi chegar ao mundo o incrível segundo álbum da Betina, Hotel Vülcânia, produzido por meu parceiro de tantos anos Diogo Valentino. Participei com uma viola caipira, melotrons e outros teclados, gravados no último ano novo aqui em casa.
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Também na época das festas de fim de ano, mas há dois e três anos atrás, e em outras visitas esporádicas, comecei a gravar junto com Dinho Almeida (Boogarins) uns sons que começaram bem despretensiosos e acabaram se tornando o álbum de um novo projeto que vai sair no início do ano que vem. Em setembro deste ano ele esteve em Paraty pra fecharmos algumas canções e fazer umas fotinhos, e terminei a mixagem na sequência. Foi uma parceria bem intensa e nova pra mim, equilibrar a minha lentidão decantante fermentativa com o imediatismo e espontaneidade geniais do Dinho. Lá vem um grande disco!

Foto: Henrique Milen Carvalho
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Logo depois da visita do Dinho, toquei novamente em Paraty, no Hostel Alecrim, espaço aconchegante e colorido da Claudia e do Nelson – velho conhecido de rocks do Rio de Janeiro que está morando por aqui também. Foi um baita clima gostoso, com um dos maiores sets que já fiz, totalizando duas horas, no dia de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira da cidade e inspiração do meu último EP.
Veja “Concórdia/ O voo de Margarida”, do disco Um futuro inteiro, no Alecrim:
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Fiz mais um concerto nos mesmos moldes no Sesc Paraty, unidade Santa Rita, dia 26 de outubro, na programação do projeto Aldeia Paraty, que realiza apresentações de artistas locais e de grupos de culturas tradicionais. Foi incrível cantar as canções de Lady Remédios pra um público majoritariamente local e de amigos, olhando pela janela alguns dos lugares que eu referencio na faixa título – o mangue fantasma soterrado pelas marinas dos ricaços, as baleeiras sonsas encalhadas na maré rasa, o iodeto de prata da baía. Antonia novamente ajudou a criar o clima com suas projeções, agora mais psicodélicas e distorcidas. O pessoal do Sesc daqui foi maravilhoso, e fizeram me sentir de fato em casa.
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Dias depois, após a concretização do nosso maior pesadelo político, resolvi finalizar “Alfa Crucis” e lança-la como single, a princípio isolado. Achei que seria um bom momento pra botar uma canção esperançosa e contemplativa no mundo, e um amigo disse que seria legal, porque as coisas tendem a ser absorvidas mais intensamente nesses momentos.
Pedi pra Antonia editar um vídeo despretensiosamente, algo como uma das projeções que ela editou ao vivo pros shows, mas eis que ela me veio com essa vasta e complexa obra audiovisual, lançada pelo Alexandre Matias no site Trabalho Sujo.
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No início de dezembro participei do evento Interculturalidades, organizado pelo polo da UFF em Jacuecanga, Angra dos Reis. Toquei um set resumido, logo após a roda de jongo que uniu os grupos do Quilombo do Campinho e de Mambucaba, e uma roda de conversa com o Coletivo Feminista Maria Angélica Ribeiro. Foi ótimo apresentar as canções pra um público universitário pouco familiarizado com o som, pessoas curtiram e vieram perguntar sobre o projeto depois do show. Bem massa.
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Enquanto tudo isso rolava, também comecei a gravar novas canções, para um disco que será todo gravado em fita cassete e editado no computador. Um velho projeto de prog rock renascentista continua por ser finalizado mas já está 90% pronto, e canções em inglês também estão na gaveta pra provavelmente se tornarem um novo disco do meu projeto de adolescência, Psylocibian Devils. Se vou conseguir lançar tudo isso no ano que vem é uma questão para astrólogos, cartomantes, sacerdotisas avalônicas, analistas políticos ou mesmo jogadores de purrinha.
Obrigado por ler esse resumo até o fim, é incrível que alguém ainda se interesse!
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Beijos cósmicos pra vocês, cuidem-se, e um ótimo ano de 2019, na medida do possível!